por Carmem Toledo
Hoje assisti a mais uma edição do Ciclo de Leituras Teatrais da Casa do Saber.
Desta vez, o texto escolhido foi "Eva Perón", do dramaturgo, romancista e cartunista argentino Copi (Raul Damonte Botana). Quem executou (maravilhosamente) a leitura foram Renata Carvalho, Paulo Arcuri, Ronaldo Serruya e Luiz Gustavo Jahjah, sob a direção de Luiz Fernando Marques Lubi.
A seguir, convido-os a conhecer um pouco sobre o contexto da obra, bem como minhas impressões sobre ela e o evento que envolveu a mim e aos demais presentes em sua apreciação.
O texto aborda o mito criado sobre Evita, a maior figura feminina da política latino-americana até hoje, que poderia ser considerada, quase, como um personagem autônomo. A morte a levou cedo, devido a um câncer. No entanto, mesmo depois de falecida, o mito resistiu - e se fortaleceu: embalsamada, Eva Perón poderia ser contemplada como uma santa, como se estivesse somente adormecida (afinal, os mitos são imortais).
A obra de Copi trata de desconstruir esta imagem, desvelando o que há de mais humano na personagem central e em quem a cerca. A ironia se faz presente no texto, revelando os discursos fundadores do mito e criticando os estereótipos que povoam o imaginário popular e constroem as figuras de liderança. A desconstrução também é feita através da negação da categorização, uma vez que a protagonista, além de transgressora, é transgênero e transcende qualquer outra ordem - inclusive, o câncer que matou a Eva Perón original. A Evita de Copi vive para além de qualquer rótulo; é inclassificável. É justamente nesta desconstrução que reside a metamorfose do significado do poder. Assim como Nietzsche escolheu um louco (que também é uma figura transgressora da ordem) para fazer sua famosa afirmação - "Deus está morto" -, Copi coloca o "assassinato" da crença nas mãos de uma protagonista fora dos padrões, que sobrevive no final. No texto de Copi, Evita não está morta; quem morre é o mito (juntamente com sua enfermeira, uma jovem representante do povo crente em seu líder).
Durante a leitura a que assisti, o desmonte também se deu durante a interpretação do texto - à medida que os atores passavam de uma página a outra e atiravam ao ar as folhas já lidas, em cujo verso estavam impressos outros mitos das artes e da política -, mas devo dizer que também o enxerguei no figurino rasgado da protagonista. Importante observar também que Perón é personificado por uma grande cabeça de roedor, que ganhou vida somente no final para, então, proferir o discurso enganador - e que, no entanto, diz a verdade nas entrelinhas, já que a morta é, realmente, uma representante do povo. É importante lembrar que os ratos são animais com hábitos furtivos, que se adaptam em praticamente qualquer ambiente e podem transmitir doenças - e, neste caso, alastrar (ainda mais) um mito entre o povo crente.
Carmem Toledo
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