A entrevista a seguir foi realizada em maio/2008.
O violeiro Carlos Vergalim nos fala um pouco sobre a Música Brasileira de Raiz e sua receptividade no mercado fonográfico.
Carlos Vergalim é músico, professor de Viola Caipira e estudou no Centro de Estudos Musicais Tom Jobim (Universidade Livre de Música).
O músico Carlos Vergalim tocando sua viola. |
Carlos Vergalim: Os primeiros sons de viola que me atraíram foram os de Almir Sater; sua serenidade me seduziu e simpatizou, porém a primeira vez que vi uma apresentação de viola foi com o violeiro Zeca Collares lá em Marília durante uma apresentação na Unesp: viola instrumental, bem executada.
Quando vim para São Paulo em 2004, um dos meus objetivos era estudar música, uma paixão antiga. Prestei vestibular para o curso de Educação Musical na Unesp de São Paulo e logo percebi que, para ingressar em um curso superior em música era necessário uma formação sólida musical. Foi então que descobri o Centro de Estudos Musicais Tom Jobim (antiga ULM), escola que anualmente oferece bolsas de estudos para aqueles que tenham interesse em aprender música, mas precisava ingressar em um curso como iniciante.
Meu sogro tinha uma viola, a primeira que toquei na vida, com a qual até hoje ele faz suas “cantorias” e ponteia suas “modas”. Logo, tive a idéia de prestar a prova como iniciante em viola caipira. Na verdade, caí de “pára-quedas” nesse universo; foi quando pude conhecer desde Tonico e Tinoco, Tião Carreiro, Raul Torres, João Pacífico, representantes da música raiz “tradicional”, até os violeiros da atualidade como Paulo Freire, Ivan Vilela, Roberto Corrêa e Fernando Deghi, que exploram novas possibilidades com o instrumento. Um universo maravilhoso que canta as coisas da natureza com simplicidade e sobre a vida de quem lida com a terra, uma linguagem que só era conhecida pelos meus pais e avós que cresceram no campo, cuidando da terra, trabalhando na roça. De lá pra cá não parei mais e acredito ter sido uma das escolhas mais certas de minha vida.
Carmem Toledo: Você é professor de viola caipira. Seus alunos também têm a música de raiz como um ideal, ou seja, pretendem conservá-la como identidade da cultura brasileira?
Carlos Vergalim: Acredito que essa consciência de preservação vai se expandindo conforme o aluno vai conhecendo o universo da viola. O ensino de viola caipira tem histórico de tradição oral. A visão didática do instrumento só começou a ganhar corpo a partir da década de 90, quando a viola caipira retomou forças com vários músicos, principalmente de outras áreas que se interessaram em registrar as técnicas, criar novas e resgatar os toques dos violeiros mais antigos, portanto, muitos estão tendo a oportunidade de aprender somente agora, com a expansão e a formação de profissionais de ensino para a viola caipira.
O aluno de viola caipira geralmente carrega consigo uma ancestralidade e identificação muito forte com essa cultura, pois a viola, além de um “sotaque”, tem uma brasilidade que lhe é singular, ele não tem um ideal, porque já é algo natural. Conheço muitos que começaram a aprender a tocar depois de ouvir o som do instrumento, pois este fala com a linguagem da natureza, tocando no fundo do coração; gente que nunca chorou por uma música, mas que se emocionou com o seu som encantador.
Carmem Toledo: Em geral, os jovens têm interesse pela música de raiz?
Carlos Vergalim: Não têm interesse, porque ainda não conhecem realmente. Existe um estereótipo a respeito da cultura caipira como um sinônimo de “atraso” e por isso, há muito preconceito inserido na sociedade “moderna”.
A música de raiz não é apenas a música caipira: é o repente nordestino, o samba, o maxixe, o maracatu, a congada, etc. É a música que identifica um lugar, um povo.
A música chamada “caipira” é uma tradição das raízes do povo Paulista que descende dos Bandeirantes. A viola está inserida na linguagem de diversas manifestações regionais, mas ainda há, na juventude, principalmente nos meios urbanos, um desconhecimento de sua própria identidade devido à cultura de massa divulgada pelas FM’s e pela maioria dos programas de TV.
Fui professor de viola caipira no Projeto Guri, aqui em São Paulo. Quando o curso abriu, não houve procura. As crianças e adolescentes queriam aprender violão. Quando se falava em viola caipira, havia desconfiança da parte deles. Eu ia, tocava e mostrava que era possível tocar de tudo na viola. Consegui “pescar” alguns alunos, e esses perceberam que estavam apenas vendados pela cultura da modernidade, abriram os olhos para um outro mundo, que até então era desconhecido. O curso foi fechado, pois não havia procura, porém, aqueles que tiveram contato com a viola carregam consigo, hoje, uma semente que pode vir a brotar amanhã e, quando já estiverem crescidos, vão se dar conta da experiência que tiveram quando crianças.
No final do mês de abril, aconteceu o I Seminário Nacional de Viola Caipira, em Belo Horizonte e a maioria do público era jovem.
Quando comecei a tocar viola, meus amigos estranharam, mas quando ouviram um pouco, uma nova opinião se formou e hoje eles também ouvem com mais respeito.
Portanto, é possível despertar o interesse pela música de raiz. Muitas vezes, é necessário falar a língua do jovem para atraí-lo e, aos poucos, com a vivência e o conhecimento, este passa a ter interesse pela sua identidade e em se aprofundar em sua essência e origem.
Carmem Toledo: Você acredita que haja espaço para a música de raiz no mercado?
Carlos Vergalim: Olha, o mercado tem espaço pra tudo, o problema são os grandes meios de comunicação e sua cultura de massa. Hoje em dia, qualquer música de qualidade está em desvantagem com essa poluição sonora do “Créu” que rola no ar. Mas existem formas alternativas de divulgação e a internet é uma delas. O público para a música de raiz ainda é restrito, mas não são poucos. Existe muita gente fazendo o seu trabalho, divulgando seus talentos e sendo reconhecido através da divulgação “boca-a-boca”. Quem trabalha no meio cultural não pode ter a ilusão da fama e do sucesso. A paixão é algo que ainda fala mais alto. Todo mundo precisa sobreviver, mas é preciso muita ousadia e criatividade. Se houver amor, sensibilidade e um toque criativo, é possível produzir muita jóia no meio artístico e cultural. Espaço existe, mas não no grande mercado. Hoje em dia, está crescendo o número de pessoas que sentem sede de cultura e estão buscando. O crescimento do número de pessoas querendo aprender a tocar viola reflete não apenas a oferta de profissionais dedicados ao ensino do instrumento, mas o desejo por aquilo que é nosso e de se desfazer dessa cultura homogênea que foi implantada pelo mercado pop. Nós temos uma diversidade de ritmos sonoros tão antigos quanto nosso país, porém, muito desconhecido.
Carmem Toledo: Hoje, há muitos concursos na mídia que pretendem lançar novos talentos da música. Há, inclusive, um programa específico, voltado para a música sertaneja, em uma das emissoras abertas, que visa selecionar novos talentos.
O que você pensa sobre esta divisão de gênero musical? Você acredita que, se não houvesse tal separação, os cantores sertanejos que desejam ingressar no mercado não teriam as mesmas oportunidades que os outros?
Carlos Vergalim: Acredito que nesses concursos há muita gente de talento, que estudou muito ou já possui um dom natural. Mas existe uma manipulação do grande mercado que faz com que o artista fique subordinado aos grandes veículos. O mercado independente é uma forma de quebrar essa regra e hoje já é uma realidade. O caminho desses concursos abrem portas para uma ilusão que muitos têm pela fama, ou pelo menos pelos quinze minutos que podem ter. Quanto à oportunidade, acredito que é muito mais fácil para aquele que tem carisma. Não só na tela da TV, mas na vida em geral. Isso vale para qualquer estilo ou categoria musical. Mas a música de raiz é algo paralelo a esse mercado e as dificuldades são muito grandes. Por isso, os desafios daqueles que levam a cultura popular são muitos, pois a intenção do artista é levar suas manifestações às pessoas sem a intenção de apenas lucrar com isso.
Carmem Toledo: Você acha que, no gênero denominado "sertanejo" atualmente, ainda exista relação com a música de raiz? Que nomes você citaria?
Carlos Vergalim: As pessoas ainda confundem muito a denominação do gênero “sertanejo”. As famosas duplas que ouvimos com grande freqüência nas rádios ou na TV, não podem ser determinadas como “sertanejo”, pois executam músicas com influência da música pop internacional ou da música raiz americana; gravam canções sem qualidade, falando sempre das mesmas coisas e deixando de lado nossa brasilidade. A música sertaneja, na minha opinião, é a música que fala do sertão, principalmente sobre os temas das regiões nordestinas. Mas, quando a música tocada no meio rural migrou para os grandes centros urbanos, se perdeu muito daquilo que podemos chamar de música de raiz ou, para nós paulistas, de música caipira. Pois a música de raiz surgiu dos ritos, tanto religioso como pagão. Era cercada de rituais. Quando a viola caipira veio para cidade e entrou nos grandes estúdios, foi se integrando à modernidade urbana naturalmente. Mas ainda conservaram os temas do dia-a-dia do caipira, da vida no campo, do carro de boi, da boiada, etc. Após a grande transição do campo para a cidade na metade do século passado, começaram a mudar o tema para o dia-a-dia da vida urbana. Daí, começou esse gênero que conhecemos como “sertanejo”. Eu não vejo problema algum na evolução de novas linguagens e influências, desde que se conserve a qualidade e a nossa brasilidade. Por exemplo, na música de Pereira da Viola, há um regionalismo profundo ainda preservado, mas com técnicas “modernas” que ainda conservam a linguagem da música de raiz mineira. Há muita gente inovando sem descaracterizar nossa brasilidade, por exemplo: Levi Ramiro, Zeca Collares, Cícero Gonçalves, Paulo Freire, Fernando Deghi, Trio Carapiá, entre outros.
Carmem Toledo: As pessoas respeitam devidamente os grandes nomes da música de raiz, como Inezita Barroso, por exemplo?
Carlos Vergalim: Sim, a Inezita Barroso é a porta voz da música caipira hoje. Seu programa, o "Viola Minha Viola", preserva a música tradicional, desde as antigas duplas à viola contemporânea. É uma pena que tenha tão poucos programas destinados à cultura popular. O "Sr Brasil", apresentado pelo Rolando Boldrin, também preserva a cultura popular das mais diversas áreas. Todos os grandes violeiros de hoje beberam na fonte dos antigos mestres. Tião Carreiro, por exemplo, é referência para muitos que se interessam pela viola caipira. Assim como o virtuosíssimo Renato Andrade. Personalidades como Helena Meirelles, Seu Manelim do Sertão do Urucuia – MG que o mestre Paulo Freire apresentou ao Brasil. Zé Côco do Riachão, Badia Medeiros que são grandes mestres de nossa cultura regional. Há muitos mestres e muitos “anônimos” que nos inspiram e carregaram pra toda vida uma herança cultural que deve ser preservada.
Carmem Toledo: Que mensagem você deixaria para aqueles que, assim como você, conservam nossa cultura e querem passá-la adiante?
Carlos Vergalim: É preciso muito amor e persistência. Deixe o instinto de preservação transbordar no coração, para que possamos conservar nossa brasilidade, nossa identidade. Pesquisem, corram atrás daqueles que manifestam a nossa cultura e cuidem com carinho daquilo que temos de mais precioso: Nossas Raízes.
Entrevista realizada por e-mail por Carmem Toledo em maio/2008
Foto: acervo pessoal de Carlos Vergalim
Mais informações sobre Carlos Vergalim podem ser encontradas na página www.violeirovergalim.blogspot.com