quinta-feira, 8 de abril de 2021

Homenagem ao cantor e compositor Luigi Tenco

    Luigi Tenco é, sem dúvida, uma das vozes mais belas e importantes da canção italiana. Suas letras são ora tristes, ora românticas, outras vezes, carregadas de críticas sociais... Mas o que todas possuem em comum é a marca inconfundível de uma energia única que Luigi emprestava através de seu talento vocal e de seu dom para transformar a dor, o amor e o inconformismo em palavras. Saibam mais, lendo esta postagem especial que fiz em homenagem a ele!


Desenho a lápis em homenagem ao cantor e compositor Luigi Tenco. Por Carmem Toledo.
Desenho a lápis em homenagem ao cantor e compositor Luigi Tenco.
Por Carmem Toledo.

       

    Logo no início da carreira, sua canção "Cara Maestra" foi censurada. A letra é um questionamento sobre os valores de uma sociedade hipócrita que, ao mesmo tempo que discursa sobre a igualdade de direitos, reforça as distinções de classe. Segue a tradução feita por mim:


Cara professora:
Um dia me ensinava
Que neste mundo nós
Somos todos iguais

Mas quando entrava na classe o diretor,
Você nos fazia ficar todos em pé
E quando entrava na classe o zelador,
Permitia que ficássemos sentados

Meu bom clérigo:
Dizia que a igreja
É a casa dos pobres,
Da gente pobre

Mas você revestiu a sua igreja
De cortinas de ouro e mármores coloridos
Como pode agora um pobre que entra
Sentir-se como se estivesse em sua casa?

Distinto prefeito:
Disseram-me que um dia 
Você gritava às pessoas:
"Vencer ou morrer!"

Agora gostaria de saber como jamais
Você venceu, e no entanto não está morto,
E no seu lugar morreu tanta gente
Que não queria vencer, nem morrer.

(Luigi Tenco, "Cara Maestra". Tradução de Carmem Toledo)

    
    Tal censura também culminou em seu afastamento por dois anos das transmissões da RAI (TV estatal Italiana). Esta não seria a última vez que Tenco sofreria repressão; isso aconteceria novamente alguns anos mais tarde, por outras canções: "Io sì" e "Una brava ragazza", consideradas muito "ousadas" para a época.
    No entanto, nem a Itália, tampouco o mundo poderiam prever que sua voz jamais seria calada, mesmo depois do trágico acontecimento que marcou a História do Festival de San Remo e, mais do que isso, a História da música internacional. 
    Luigi Tenco conheceria, em 1966, um outro grande nome: a cantora egípcia Dalida (Iolanda Cristina Gigliotti), neta de italianos, naturalizada francesa e dona de uma das mais potentes vozes do mundo. Seria ela (que então, além de parceira musical, passaria a ser também sua namorada), a representar sua obra - "Ciao Amore Ciao" - no Festival de San Remo de 1967. Porém, a canção foi um fracasso perante o público e foi desclassificada até mesmo na repescagem. 
    Naquela noite de 27 de janeiro de 1967, logo depois do evento, Luigi foi sozinho para o Hotel Savoy, onde estava hospedado. Horas depois, Dalida foi ao seu encontro, preocupada com o sumiço do namorado, que não retornava. A cena que a artista testemunhou seria uma das maiores tristezas que ela levaria por toda sua vida: Tenco estava morto, com um tiro na têmpora. Sobre a mesa, havia um bilhete que dizia:

"Eu quis bem o público italiano e lhe dediquei inutilmente cinco anos de minha vida. Faço isto não porque estou cansado da vida (ao contrário), mas como ato de protesto contra um público que manda ‘Io, tu e le rose’ à final e um júri que seleciona ‘La rivoluzione’. Espero que sirva para clarear as ideias de alguém. Tchau. Luigi”. 

    Dalida, inconformada, agarrou-se ao corpo ensanguentado e gritou a plenos pulmões. Teve de ser retirada de lá pelo irmão Orlando (Bruno Gigliotti) e pela prima Rosi, sob efeito de calmantes. A cantora tentaria suicídio exatamente um mês depois (tomando uma alta dose de barbitúricos) e seria levada em coma para o hospital, onde acordou cinco dias mais tarde. A retomada da carreira da intérprete seria marcada, alguns meses depois, pelas significativas canções "Les grilles de ma maison" (versão de Jacques Chaumelle da canção "Green green grass of home", de Curly Putnam, que originalmente foi gravada por Elvis Presley e Tom Jones, além de ter uma versão brasileira gravada por Agnaldo Timóteo, sob o título "Os verdes campos de minha terra") e "J'ai décidé de vivre" (composição de M. Laurent). Vinte anos depois, em 3 de maio de 1987, depois de vários outros traumáticos acontecimentos em sua vida, Dalida cometeria, de fato, suicídio, aos 54 anos de idade.
    Entretanto, até hoje pairam dúvidas sobre a morte de Luigi Tenco e recentemente, em 2006, seu corpo foi exumado. Oficialmente, a causa ainda é tratada como suicídio, mas há vários indícios que também apontam para homicídio. Um dos mistérios, inclusive, é que o cantor e compositor Lucio Dalla estava instalado no quarto vizinho e não teria ouvido o barulho do tiro. Também li certa vez que funcionários do hotel teriam visto Lucien Morisse (radialista, produtor e ex-marido de Dalida) saindo do hotel um pouco antes. Enquanto escrevia esta postagem, busquei a matéria, mas não a encontrei. Acho importante mencionar que Morisse cometeu suicídio três anos depois, em 1970. Além destas informações, podem ser encontradas várias reportagens que abordam algumas hipóteses sobre a morte de Tenco, mas optei por não mencionar nenhuma, por desconhecer o grau de credibilidade das versões apresentadas, já que algumas omitem informações importantes, como o fato de Dalida ser sua namorada e ter sido a primeira a ver o corpo, além de me parecerem um tanto sensacionalistas, em alguns pontos.
    Depois desta tragédia, a canção "Ciao Amore Ciao" seria lembrada para sempre como um marco da era dos festivais. Sua letra representa a voz do jovem que, "sem saber fazer nada", abandona o campo e parte sozinho pelas estradas rudes e cinzas da cidade - um mundo que "sabe tudo":

A habitual estrada branca como o sal
O grão para crescer, os campos para arar
Esperar cada dia
Se chove ou faz sol
Para saber se amanhã
Se vive ou se morre
E um belo dia dizer 'Basta!' e partir

Tchau, amor
Tchau, amor, tchau, amor, tchau
Tchau, amor
Tchau, amor, tchau, amor, tchau

Partir para longe
Para buscar um outro mundo
Dizer adeus ao quintal
Caminhar sonhando

E então mil estradas cinzas como o fumo
Em um mundo de luzes se sentir ninguém
Saltar cem anos em um só dia
Das carroças dos campos
Aos aviões no céu
E não entender nada e ter vontade de retornar a você*
(*Obs.: Na versão cantada por Dalida, a letra diz "E se sentir sozinha e ter vontade de retornar a você")

Tchau, amor
Tchau, amor, tchau, amor, tchau
Tchau, amor
Tchau, amor, tchau, amor, tchau

Não saber fazer nada 
Em um mundo que sabe tudo
E não ter um tostão 
Nem mesmo para voltar

Tchau, amor
Tchau, amor, tchau, amor, tchau
Tchau, amor
Tchau, amor, tchau, amor, tchau

(Luigi Tenco, "Ciao Amore Ciao". Tradução de Carmem Toledo)


    Luigi Tenco estava, de fato, dizendo "Ciao" ao mundo, mas permanece presente através de sua arte consciente e política. Não é à toa que esta palavra italiana não é usada somente em despedidas, mas também como cumprimento quando alguém está chegando. E realmente, o artista mostrou que chegava para ficar. Ciao, Tenco, Ciao!

Carmem Toledo.
    .
    


Assistam à minha interpretação da tradução de "Ciao amore ciao":






Acompanhem minhas performances em homenagem à cantora Dalida: Dalida... À ma manière

Vejam também aqui no blog: Tributo a Dalida 




A quem deseja obter mais informações sobre Luigi Tenco e Dalida, recomendo as seguintes páginas e matérias jornalísticas:

Site oficial da cantora Dalida: https://dalida.com/
Blog brasileiro dedicado a Dalida (por Alexandre Korrea): http://dalidabrasil.blogspot.com/
Trecho de documentário sobre Dalida em que é abordada sua relação com Luigi Tenco (em francês): https://youtu.be/Arhr8ZwGuD0

Algumas matérias sobre o caso Luigi Tenco: 







Autoria:

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